Nesta sexta-feira (7), a Oitava Comissão Disciplinar julgou os envolvidos na denúncia de manipulação de resultados na Série C do Campeonato Carioca. Diante dos fatos apontados pela acusação e as provas apresentadas pelas defesas, os auditores multaram os clubes São José e Atlético Carioca em R$ 20 mil. O presidente Adilson Faria de Souza, do S. José, foi punido em R$ 30 mil e está suspenso por 360 dias, assim como o auxiliar técnico do Atlético, Thiago Soeiro, que teve a pena pecuniária de R$ 20 mil. Os demais denunciados foram eliminados, além dos valores que terão que desembolsar. São eles: o investidor Emerson Silvano (São José), o diretor de base Mauricio Pelegrini (São José) e o presidente Maicon Vilela (Atlético).
Entenda o caso
A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro tomou conhecimento dos indícios de fraude na Série C do Campeonato Carioca em 23 de janeiro e, três dias depois, após longa apuração, foi exibida pela TV Globo uma reportagem que esmiuçou todo o esquema. Atendendo a uma Resolução da Presidência (RDP) da FERJ, a Procuradoria suspendeu preventivamente todos os suspeitos: Clube de Futebol São José, Adilson Faria de Souza, sócio administrador, Mauricio Pelegrini, diretor de base, e Emerson Silvano da Silva, investidor, e Esporte Clube Atlético Carioca, com o presidente Maicon da Silva Vilela e o auxiliar técnico Thiago Santos Soeiro.
De acordo com a apuração dos jornalistas Fred Justo e Sérgio Rangel, juntamente com toda a equipe de reportagem, registraram a ação dos suspeitos em um longo trabalho investigativo de três meses. Foram apresentadas filmagens dos envolvidos agindo nas arquibancadas, diálogos e depoimentos de testemunhas. Há também escutas telefônicas com autorização judicial. Fora da esfera desportiva, o caso está sob os cuidados da Delegacia de Defraudações da Polícia Civil e pelo Gaedest (Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor do Ministério Público do Rio).
Denúncia
Os clubes São José e Atlético Carioca foram incursos no artigo 240 § único, que fala em “aliciar atleta autônomo ou pertencente a qualquer entidade desportiva. Parágrafo único: comprovado o comprometimento da entidade desportiva no aliciamento, será ela punida com a pena de multa de R$ 100 a R$ 100 mil”.
Adilson Faria de Souza, Mauricio Pelegrini, Emerson Silvano da Silva, Maicon da Silva Vilela e Thiago Santos Soeiro foram denunciados nos termos dos artigos 240, 242 e 243, §1º do CBJD.
242: dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta ou qualquer pessoa natural mencionada no artigo 1º, § 1º, VI, para que, de qualquer modo, influencie o resultado de partida. Multa de R$ 100 a R$ 100 e eliminação;
243: atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende. Multa de R$ 100 a R$ 100 mil e suspensão de 180 a 360 dias. § 1º Se a infração for cometida mediante pagamento ou promessa de qualquer vantagem, a pena será de suspensão de 360 a 720 dias e eliminação no caso de reincidência, além de multa de R$ 100 a R$ 100 mil.
Depoimento e defesas
Dos sete denunciados, apenas o Atlético Carioca teve defesa para todos os envolvidos. O advogado Leonardo Rachid Buharb representou os interesses do presidente Maicon Vilela, o auxiliar Thiago Soeiro e o próprio clube. Grace Kelly de Jesus Fernandes advogou em favor de Mauricio Pelegrini. Já Adilson Faria, sem representante legal, sustentou em causa própria. Emerson e Thiago Soeiro não compareceram e não tiveram defesa.
Em depoimento, Maicon acusou a reportagem de ter editado e colocado no ar apenas alguns trechos dos áudios grampeados e entrevistas, o que é uma prerrogativa jornalística, chamada decupagem, que filtra o que é considerado importante para determinada pauta, uma vez que não é viável colocar todo o material colhido em um trabalho de investigação como esse.
– Assistindo ao vídeo todo mundo classificaria como verdade, mas fizeram várias edições no vídeo. Se o vídeo fosse passado com os áudios completos, as pessoas teriam outra visão. Por várias vezes pedi audiência com o Dr. Rubens, enviando e-mails, antes mesmo de começar o campeonato, mas fui simplesmente ignorado, acredito que por ser um clube de Série C. Eu nunca fui respondido. Quando terminou o campeonato eu fui diretamente na Federação, porque esse boato já estava correndo. Ouvi o áudio original das pessoas mencionadas na reportagem e acredito que houve a intenção de denegrir a imagem da Federação, do presidente (Rubens Lopes). Existe uma associação de clubes de menor investimento para bater de frente com a Federação e eu nunca fui a favor disso – disse o presidente do Atlético.
Maicon ainda relatou que em 2018 chegou a ser procurado por uma pessoa, no clube, supostamente chamada Carlos, mas recusou a proposta. Falou também que voltou a ser sondado por envolvidos nas fraudes.
– Esse ano eu tive várias propostas. Eu sou sozinho, eu que pago os funcionários, eu que pago os jogadores, que inclusive vendem camisas do clube e ganham uma comissão em cima disso. Recebi também a ligação de outra pessoa dizendo que o Atlético empataria no primeiro tempo e perderia no segundo. Só que com esse resultado o Atlético cairia para seletiva. Então liguei para o auxiliar técnico pedindo que perdesse de 1 a 0 pois já estava desconfiado que tanto jogadores quanto comissão estavam envolvidos – confessou Maicon ao ser questionado sobre o áudio em que fala com o auxiliar sobre o recebimento de R$ 800.
Perguntado sobre o porquê de não ter procurado a polícia na primeira vez em que foi interpelado, em 2018, o presidente alegou inocência.
– Era muito novo para mim, eu ainda sou muito leigo, então achei melhor deixar para lá. Hoje eu sei que errei. Eu sou um alvo muito fácil, por ser sozinho no clube. Recebo muitas ligações de empresários, de atletas.
De acordo com Maicon, ele tomou conhecimento que o Atlético perderia o jogo no segundo tempo através de um amigo, o qual preferiu não revelar o nome.
– Conforme o Maicon deu depoimento aqui, ele deixou muito claro o porquê dele ter ligado para o auxiliar técnico e ter feito a pergunta, diante da desconfiança que ele já tinha. Você vê que na reportagem o problema do Índio não foi no Atlético. O pai do jogador também foi no São José, assim como o depoimento do Pingo. Os meus denunciados devem responder pelos problemas representados na denúncia e não nos demais depoimentos, em que fala apenas do São José. Os fatos são graves, mas não podemos fazer justiça a qualquer custo, pegando pessoas que não tem nada a ver como bode expiatório – sustentou o advogado Leonardo Rachid.
A defesa de Mauricio Pelegrini foi sucinta e pediu a absolvição do cliente, com a alegação de que o mesmo não poderia ser punido apenas por uma reportagem veiculada por uma emissora a qual a advogada classificou como “sem credibilidade”.
– Venho aqui contra a denúncia, tendo em vista que a única prova existente nos autos é uma reportagem de uma emissora que não tem total credibilidade. Até onde pesa, Mauricio Pelegrini não atuou pelo São José na categoria profissional. Ele não tinha qualquer conhecimento do esquema e sequer participou. A defesa pede a este Tribunal que o mesmo seja absolvido, tendo em vista que em nenhum momento ele é apontado ou comprovado que participasse do suposto esquema. Não vou me prolongar porque quando uma pessoa não participa do ato infracional não há muito o que se dizer – disse Grace Kelly.
Sem um representante legal, o presidente do São José teve espaço para subir à tribuna e fazer a própria defesa.
– Dá a entender na reportagem que o São José é o grande vilão de todo esquema. Fui procurado pelo meu diretor Pelegrini, que me ligou, quando a advogada diz que ele não tem nenhum envolvimento com o São José, foi ele que me ligou dizendo que arrumou um investidor que resolveria todos os problemas. No vídeo em que mostra meus jogadores questionando se havia algum esquema eu nego e nesse momento o Pinto chegou e falou “presidente, se o senhor me der a passagem hoje eu vou embora hoje, mas eu não me vendo por R$ 5 mil”. Dá a impressão ali naquele áudio que eu estava tentando manipular eles e isso não é verdade. A polícia tem meu computador para investigação. Quando digo que estão me pegando de “boi de piranha” é o que estou me sentindo hoje. Eu já fui julgado e condenado só de colocar uma suspensão temporária. Acabou com uma história de 50 anos. Vocês não viram nenhum pai de jogador me acusando de oferecer dinheiro. Só falavam que eu estava irritado. Mais tarde, ao pararmos na estrada para jantar, que eu perguntei o que aconteceu e me falaram que fomos abordados para perder o jogo. Eu me sinto já condenado de um crime que eu não cometi, de um esquema de manipulação de jogo que eu nem sei fazer. Hoje eu mal tenho condições de sair na rua. Não ganhei dinheiro com isso – disse Adilson Faria, que foi orientado pela Comissão a procurar um advogado para entrar com recurso.
Leonardo Rocha, relator do processo:
– A reportagem é mais que clara do que houve na Série C do Campeonato Carioca. Mais que clara, além disso, foi reconhecido todos os áudios aqui. O que ocorre é que aqui nós não estamos julgando a questão penal, civil ou administrativa. Estamos restritos à questão desportiva. Então, tanto o Atlético Carioca, quanto o São José, estou propondo a pena de multa de R$ 50 mil para cada um deles, com base no artigo 240 do CBJD – voto que foi reconsiderado após ouvir a opinião dos demais auditores, ficando a multa fixada em R$ 20 mil.
Eduardo Biondi, presidente da Oitava Comissão Disciplinar:
– Entendo que em ambos os casos a associação não pode ficar de fora porque em ambos os casos quem estava manipulando os resultados eram os presidentes, que também estão denunciados como pessoas físicas. Entendo da mesma forma que o relator, mas fazendo uma ressalva: as entidades desportivas, apesar de terem sido utilizadas para esses atos não dotados de boa-fé, elas têm como entidades uma representatividade de culpa menor que os autores do crime. Gostaria de aplicar uma pena condizente.
Resultados
- São José e Atlético Carioca, incursos no artigo 240 § único do CBJD: R$ 20 mil;
- Adilson Faria de Souza, presidente do São José, incurso nos artigos 240, 242 e 243, §1º do CBJD: absolvido, absolvido, R$ 30 mil e suspensão de 360 dias, respectivamente;
- Mauricio Pelegrini, diretor das categorias de base do São José, incurso nos artigos 240, 242 e 243, §1º do CBJD: R$ 20 mil e 120 dias, R$ 30 mil e eliminação, R$ 20 mil e 360 dias, respectivamente;
- Emerson Silvano, investidor do São José, incurso nos artigos 240, 242 e 243, §1º do CBJD: R$ 50 mil e 180 dias, R$ 60 mil e eliminação, R$ 50 mil e 720 dias, respectivamente;
- Maicon da Silva Vilela, presidente do Atlético Carioca, incurso nos artigos 240, 242 e 243, §1º do CBJD: R$ 40 mil e 180 dias, R$ 45 mil e eliminação, R$ 40 mil e 720 dias, respectivamente.
A decisão cabe recurso.
Elise Duque/Assessoria TJD-RJ
(Reprodução autorizada mediante citação do TJD-RJ e crédito nas fotos)