Membros do TJD-RJ, STJD, FERJ, advogados, entre outros convidados, estiveram na sede da Federação de Futebol do Rio, na noite desta quarta-feira (13), para debaterem sobre as mudanças no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). O evento foi organizado pelo Instituto de Ciências do Futebol (ICF), com o apoio da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) e o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). O presidente deste Tribunal, Dr. Marcelo Jucá, integrou o painel que tratou do artigo 214 do Código.
O presidente da FERJ, Rubens Lopes, presidiu a mesa de abertura acompanhado de Rafael Fachada, professor da UFRJ e coordenador de atendimento da Câmara Nacional de Resoluções de Disputas (CNRD) da CBF, e Ricardo Miguel, membro da ANDD e magistrado do Direito do Trabalho. Rubens Lopes disse ter sido apenas uma reunião preliminar e aproveitou para adiantar que está sendo organizado um debate amplo, que deverá acontecer na última semana de julho, com membros do TJD e operadores de direito dos clubes. O evento terá a presidência do Dr. Ângelo Vargas, auditor da Sétima Comissão Disciplinar.
– É uma satisfação estarmos aqui reunidos, no início de atividade, num período em que o Ministério do Esporte designou uma Comissão para estudo de mudanças do CBJD. O Rio de Janeiro tem membros nessa Comissão, como o Felipe Bevilacqua e a Luciana Lopes. Entendemos que a FERJ e o TJD não podem ficar alheios a esses debates, de uma maneira que se possa extrair uma série de concepções, convergências e para que se faça propostas para serem encaminhadas a essa Comissão como uma posição nossa a respeito do que venhamos a entender como necessário para contribuir com a alteração do Código – destacou o presidente da FERJ, dando início a noite de debates.
“A questão da remuneração dos auditores é algo para ontem. A gente só consegue fortalecer a Justiça Desportiva, fortalecendo os auditores” – Rafael Fachada
Anomalia Congênita do Artigo 58-B
A mesa que debateu as anomalias do artigo 58-B teve a participação do procurador-geral do STJD, Felipe Bevilacqua, do presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF), Felipe Augusto Leite, do presidente do Sindicato dos Árbitros Profissionais do Rio de Janeiro, Jorge Rabello, com a mediação do procurador-geral da FERJ, Sandro Trindade.
O artigo 58-B do CBJD fala em “as decisões disciplinares tomadas pela equipe de arbitragem durante a disputa de partidas, provas ou equivalentes são definitivas, não sendo passíveis de modificação pelos órgãos judicantes da Justiça Desportiva; Parágrafo Único. Em caso de infrações graves que tenham escapado à atenção da equipe de arbitragem, ou em caso de notório equívoco na aplicação das decisões disciplinares, os órgãos judicantes poderão, excepcionalmente, apenar infrações ocorridas na disputa de partidas, provas ou equivalentes”.
Os posicionamento acerca do 58-B foram expostos de forma a respaldar os interesses de cada segmento, concordando apenas no que diz respeito a revisão e nova redação do artigo, a fim de ser claro naquilo que se pretende regular. Sandro Trindade explicou em quais momentos as decisões dos árbitros, dentro de campo, podem ser corrigidas fora das quatro linhas.
– Quando se diz que a regra 5 indica que as decisões dos árbitros são definitivas, a gente tem a própria FIFA dizendo que é possível, em determinados casos, como foi reeditado no 58-B, que algumas questões possam ser revistas. Os limites dessas revisões é que eu acho que a gente precisa debater. Quando existe um erro na aplicação do cartão vermelho, por exemplo, quem cometeu a infração foi um determinado atleta e o árbitro, por engano, atribui o cartão vermelho a um jogador que não participou. Então é a única possibilidade que a Conmebol admite para que haja uma revisão por um tribunal de justiça desportiva.
Pela categoria dos jogadores, Felipe Augusto foi direto ao defender as decisões tomadas pelos árbitros como imutáveis, evitando assim que a procuradoria denuncie e abra possibilidade para que o tribunal altere alguma deliberação arbitral.
– É o momento de fazermos uma modificação para que sejam reparados as anomalias desse dispositivo que trata especificamente da possibilidade dos tribunais, motivados pela procuradoria, em modificar questões que são decididas no campo de jogo. Por ter sido atleta, eu digo por saber como é o envolvimento em uma partida de futebol, o descarrego de muitas emoções, os dias de preparo, e ver fatos que são julgados durante aqueles 90 minutos serem reformados em tribunais. Isso não soa bem para categoria dos atletas. Não deve caber, ao meu ver, na reforma do Código a permanência dessa possibilidade à procuradoria. Temos o entendimento de que a autoridade do árbitro tem que ser preservada. – pontuou o presidente da FENAPAF.
O procurador-geral do STJD discordou de algumas colocações e, segundo o próprio, desmistificou o que acontece com o artigo 58-B e o que precisa ser alterado para que o Código entre em acordo com a legislação internacional.
– Ele (58-B) na verdade foi mal recepcionado pelos ordenamentos da FIFA. E mais ainda, foi mal interpretado pela justiça desportiva. Em um primeiro momento, entendo que nós não podemos retirá-lo do ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque ele é uma das poucas matérias de competência do CAS que podem ser analisadas a partir de uma situação que ocorre aqui no Brasil. A Conmebol se adequa quase que integralmente, como a UEFA, ao Código Disciplinar da FIFA. Então na verdade, ele tem esse artigo no código disciplinar só que está redigido de uma forma muito similar ao que diz a FIFA. Talvez a dificuldade que nós tenhamos enfrentado durante muito tempo no STJD, na verdade foi uma questão mais interpretativa e uma falta de harmonização com a legislação internacional, a qual a gente tem que respeitar. A CBF é verticalmente subordinada à FIFA, principalmente em questões disciplinares, é sim a questão da interpretação ou da melhor redação do artigo – explicou Bevilacqua, acrescentando que a única concordância entre as partes é em casos interpretativos.
– O grande problema está quando entramos na questão do notório equívoco. Na verdade, durante muitos anos interpretado pela justiça desportiva como um excesso pelo qual o árbitro não poderia ter visto ou não viu. Independentemente, se o árbitro, pra maioria ou para ele próprio, cometeu um equívoco em lances que dependem de interpretação, esse erro deve ficar no campo de jogo. Em hipótese alguma ele deve ser avaliado ou julgado pela justiça desportiva. É assim que a legislação internacional pensa – finalizou Felipe.
Jorge Rabello apontou como principal problema do artigo o Parágrafo Único (em caso de infrações graves que tenham escapado à atenção da equipe de arbitragem, ou em caso de notório equívoco na aplicação das decisões disciplinares, os órgãos judicantes poderão, excepcionalmente, apenar infrações ocorridas na disputa de partidas), por tudo passar a ser tratado como infração grave ou notório equívoco, e inflamou a discussão ao dizer que os julgadores não conhecem as regras do futebol.
– Entendo que o CBJD está para o judicante assim como assim como as regras do jogo estão para o árbitro de futebol. Até aí tudo perfeito. Não existiria problema, se cada um se mantivesse no seu quadrado. E aí me vem o 58-B, com seu parágrafo único, infla de tal modo o ego do judicante e o mesmo passou a tomar decisões de denunciar, absolver, condenar a equipe de arbitragem fundamentado naquilo que não conhece. O problema é que eles, mesmo sem conhecimento, simplesmente ignoram o árbitro dentro do campo. E aí aquele árbitro que é denunciado, é o cara que no campo de jogo, no mesmo evento observa, analisa, sanciona, pune ou absolve, em frações de segundos uma chuva intermitente de eventos. Simplesmente, alguém olha um vídeo em casa e se acha, graças ao 58-B, de denunciar o árbitro.
O presidente do STJD, Ronaldo Piacente, foi convidado para se juntar aos demais integrantes da mesa e respondeu às manifestações de desagrado do presidente do Sindicato dos Árbitros.
– Vou discordar de 99% do que disse o Jorge Rabello. Quando você diz que o tribunal ou os advogados não conhecem nada de regra, me parece que vossa excelência não tem conhecimento do direito, do que é uma infração disciplinar, de como funciona o tribunal. Dizer que nós não conhecemos nada e julgamos, é um equívoco grande. Agora, é subjetiva a questão do notório equívoco? Sim, mas isso é questão de entendimento. Tem que ter em mente que o árbitro não é infalível. Os árbitros erram? Erram. O tribunal erra? Erra, mas dizer que não se pode rever essa decisão, vai causar injustiça, porque várias injustiças cometidas pelos árbitros já foram reparadas pelo tribunal.
Artigo 214: Controvérsias e Riscos de Conceitos, Prazos e Sanções
Com a presidência da advogada e membro da ANDD, Luciana Lopes, as controvérsias, prazos e sanções do artigo 214 foram debatidos pelo presidente do TJD-RJ, Marcelo Jucá, o procurador-geral do TJD-RJ, André Valentim, e o presidente do IBDD e subprocurador-geral do STJD, Leonardo Andreotti.
Veja o que diz o artigo 214 do CBJD: “incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida. PENA: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, e multa de R$ 100 a R$ 100 mil. § 1º Para os fins deste artigo, não serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator; § 2º O resultado da partida, prova ou equivalente será mantido, mas à entidade infratora não serão computados eventuais critérios de desempate que lhe beneficiem, constantes do regulamento da competição, como, entre outros, o registro da vitória ou de pontos marcados; § 3º A entidade de prática desportiva que ainda não tiver obtido pontos suficientes ficará com pontos negativos; § 4º Não sendo possível aplicar-se a regra prevista neste artigo em face da forma de disputa da competição, o infrator será excluído da competição”.
Luciana Lopes deu inícios às conversas perguntando ao presidente do STJD como pode ser caracterizada uma situação irregular, que respondeu dizendo se tratar de suspensão automática, punição da justiça desportiva, falta de registro no BID (CBF) ou ausência de contrato. Marcelo Jucá pediu a palavra e explicou como as mudanças fizeram chegar a esse entendimento de irregularidade.
– Até antes das mudanças no Código, a expressão que trazia era ‘atleta sem condição legal’. Em 2009 passou a ser ‘atleta em situação irregular’, porque era muito comum que a Justiça do Trabalho enviasse decisões judiciais para federações e confederações dizendo que os atletas tinham condições legais e deveriam participar daquele determinado campeonato ou partida, o que causava uma grande confusão. Muitos dos membros da comissão que alterou o Código em 2009, eram auditores do STJD, então muitos dos entendimentos jurisprudenciais que eram tratados no Pleno do STJD, foram trazidos para a letra da lei.
Os debatedores também discutiram se um clube pode ser punido por um atleta irregular constar na súmula e ficar no banco, sem que efetivamente tenha participado da partida e sobre a responsabilidade de verificar a irregularidade do jogador ser dos clubes ou outro. Foi unânime que essa questão precisa estar bem clara na nova redação do CBJD.
Sobre os prazos, a questão mais polêmica do artigo 214, o presidente do TJD-RJ falou o que vem enfrentando os tribunais desportivos.
– O prazo prescricional do 214 é de 60 dias. O que causa um grande problema é quando essa prática da infração chega ao conhecimento da procuradoria através de uma Notícia de Infração. O que tem acontecido é que o clube que vai se beneficiar da escalação irregular, atento ao que a equipe está escalando ou escalou, espera o final da competição e utiliza a Notícia de Infração se lhe convir. Quem escreveu ou pensou nessa norma, pensou em uma competição longa, de nove meses, acontecendo o ano inteiro. As competições regionais são curtas. Entender o prazo de oferecimento de denúncia em 60 dias pode inviabilizar a realização de uma competição e trazer muita insegurança jurídica – opinou Marcelo Jucá, sendo acompanhado por André Valentim.
– Eu entendo como a Notícia de Infração é específica da procuradoria, quanto ao recebimento e entendimento em relação a se haverá ou não uma denúncia. Algumas equipes estão usando isso em seu benefício. Quando foi feito essa alteração, não pensaram que isso poderia prejudicar – disse o procurador-geral do TJD-RJ.
Elise Duque/Assessoria TJD-RJ
Foto: Úrsula Nery/Agência FERJ